segunda-feira, 16 de junho de 2008

Memória da Loucura

Mostra Memória da Loucura e a Exposição Fotográfica Programa de Volta para Casa
Período da exposição: 10 de maio a 8 de junho de 2008 Terça a domingo, das 9h às 21h
Usina do GasômetroAv. Presidente João Goulart, 551 -Centro - Porto Alegre Tels.: (51) 3288-5909 / 3289-8110


Exposição Memória da Loucura coloca em discussão uma história de acertos e erros das práticas psiquiátricas. São apresentados documentos, objetos utilizados nos tratamentos e uma réplica de uma camisa de força. Paralelamente, ocorre a mostra fotográfica itinerante De Volta para Casa, que leva ao visitante um recorte geográfico da história da saúde mental no Brasil. Por meio de textos e fotografias, as obras relatam os antigos métodos terapêuticos que eram aplicados dentro do hospital psiquiátrico de Barbacena.

Mandala
"Em regra a mandala ocorre em situações de dissociação ou desorientação psíquica. Em tais casos, é fácil verificar como o molde rigoroso imposto pela imagem circular, através da construção de um ponto central com o qual todas as coisas vêm relacionar-se, (...) compensa a desordem e confusão do estado psíquico."
Carl Gustav Jung






Mandala de Arthur Amora, sem título, década de 1940Acervo Municipal Nise da Silveira



Philippe Pinel (1745-1826)

"(...) há sempre um resto de razão no mais alienado dos alienados. "

Sigmund Freud (1856-1939)

"Suponhamos que um explorador chegue à região pouco conhecida, na qual as ruínas despertam seu interesse (...) ele poderá contentar-se em examinar a parte visível (...) Mas poderá atacar o campo das ruínas, praticar escavações e descobrir, a partir dos restos visíveis, a parte sepultada."




Esquirol (1772-1840)


"No hospício o que cura é o próprio hospício. Por sua estrutura e funcionamento, ele deve ser um operador de transformações dos indivíduos. "


Camisa de Força

Acervo Instituto Municipal Nise da Silveira (IMNS)

Durante mais de 50 anos, um dos recursos do tratamento psiquiátrico era utilizar uma camisa de lona resistente, com as mangas muito compridas e fechadas que eram amarradas firmemente, com cordões. Os braços e a parte superior do corpo ficavam amarrados às costas, impedindo movimentos violentos e deixando o paciente imobilizado e inofensivo. Este recurso amplamente usado nos hospitais brasileiros, não raro, era substituído por celas fortes, verdadeiras solitárias, onde o paciente permanecia até a remissão do seu surto. Esta prática perdeu sua importância com o advento dos neurolépticos e com as práticas de reabilitação psicossocial.

Franco Basaglia (1924-1980)

"... a psiquiatria desde seu nascimento é em si uma técnica altamente repressiva que o Estado sempre usou para oprimir os doentes pobres... "




Emil Kraepelin (1855-1926)

"O manicômio deve diferir o mínimo possível de uma casa particular. "

Tratamentos

Convulsoterapias

A indução de convulsões por inalação de cânfora nos tratamentos dos quadros de psicóticos, baseada na crença de que a epilepsia e a psicose seriam moléstias antagônicas e excludentes, data do século XVI. No início do século XIX, o médico Wagner-Jauregg buscou a cura de certas doenças mentais desenvolvendo no paciente um quadro de febre, durante anos, sem sucesso. Em 1917 experimentou inocular parasitas da malária e empregou um tratamento para a paralisia geral com o qual se obteve êxito em dois terços dos casos antigamente considerados incuráveis. Em 1927, Manfred Sakel deu um passo ousado: introduziu o choque insulínico em pacientes agitados e obteve resultado favorável. Na Hungria, em 1933, o médico Von Meduna estava trabalhando com a terapêutica pelo choque e experimentou provocar convulsões com o cardiazol, que revelou-se excepcionalmente eficiente nas psicoses maníaco-depressivas e em algumas esquizofrenias, provocando, porém, sensações terrificantes. Finalmente em 1937, em Roma, Cerletti e Bini empregaram a eletricidade, experimentando-a primeiro em porcos para depois aplicá-la em seres humanos.


Maca de Cristal
Acervo Instituto Philippe Pinel






Eletroconvulsoterapias

Em 1937, os pesquisadores italianos Ugo Cerletti e Lucio Bini conseguiram substituir as injeções endovenosas de cardiazol pela passagem, através do cérebro, de uma corrente elétrica que provocava uma convulsão generalizada. Por ser de fácil aplicação, o método foi imediatamente adotado pelas instituições psiquiátricas, fazendo com que o período subseqüente fosse chamado, na história da Psiquiatria, de Era dos Eletrochoques. A utilização indiscriminada do tratamento fez com que esse recurso, a despeito de suas possibilidades terapêuticas, ficasse associado ao castigo físico e ao controle disciplinar. A terapia eletroconvulsiva desapareceu, na Europa, com o fim da Segunda Guerra, enquanto, no Brasil, foi abolida, na rede pública de Saúde Mental, somente na década de 80. Apesar disso, continua a ser utilizada como recurso extremo no tratamento da catatonia e da depressão.



Dependência para Eletrochoque

Acervo Instituto Philippe Pinel (IPP)







Lobotomia

Técnica cirúrgica que, ao destruir a substância branca dos lobos temporais do cérebro, provoca uma alteração da personalidade. Essa prática, recomendável em casos definidos como extremos no que concerne à agressividade e à dor, provoca uma deterioração cerebral irreversível. Os avanços da psicofarmacologia determinaram o declínio de tais intervenções. No Brasil, o emprego da lobotomia foi abolido em 1955.






Esculturas de Lúcio Noeman,antes e depois da lobotomia.

Acervo Instituto Municipal Nise da Silveira (IMNS)




Psicofarmacologia

A partir da década de 50, disseminou-se o uso de novos medicamentos para o tratamento das doenças mentais. Em 1952, os pesquisadores franceses Jean Delay e Pierre G. Deniker obtiveram sucesso no tratamento de doenças mentais com uma nova substância – a clorpromazina –, anteriormente ensaiada por Henri-Marie Laborit, para produzir a hibernação. O medicamento mostrou-se capaz de reduzir a agitação psicomotora e diminuir a atividade alucinatória e delirante. Essa ação psicofarmacológica foi então chamada neurolepsia, e os novos medicamentos, neurolépticos. Com o emprego da clorpromazina, inaugura-se uma nova fase da psiquiatria.



Retratos da História


Aos loucos, o Hospício!

Refeitório do Hospício de Pedro II

Acervo: Instituto Philippe Pinel (IPP)


No Brasil, em 1830, não havia ainda tratamento para os doentes mentais: os ricos eram mantidos isolados em suas casas, longe dos olhares curiosos, enquanto os pobres perambulavam pelas ruas ou viviam trancafiados nos porões da Santa Casa da Misericórdia.


Nessa época, inspirados pelos ideais revolucionários franceses, Pinel e Esquirol propuseram novas formas de assistência à doença mental, que tinham, na existência da instituição manicomial, o próprio método de tratamento. Essas idéias contagiaram a recém-criada Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro, que se mobilizou em torno do lema: "Aos loucos, o hospício!", pleito esse formulado, em 1839, pelo contundente relatório de José Clemente Pereira: "...Parece que entre nós a perda das faculdades mentais se acha qualificada como crime atroz pois é punida com a pena de prisão, que, pela natureza do cárcere onde se executa, se converte na de morte".


Sensibilizado por essas denúncias e impressionado com os gritos dos loucos vindos dos porões da Santa Casa, D. Pedro II assinou, em 1841, o decreto de criação do hospício que, por 40 anos, leva seu nome.

Palácio dos loucos

Em 18 de julho de 1841, foi assinado o decreto de fundação do primeiro hospício brasileiro, denominado Hospício de Pedro II, em homenagem ao príncipe regente que nesse mesmo dia foi sagrado e coroado como Imperador do Brasil. Em 1852, na Praia Vermelha, em uma chácara afastada do centro da cidade, foram inaugurados o hospício e a magnífica estátua em mármore de Carrara do Imperador. Um aparato cerimonial marcou a solenidade, que se transformou em importante acontecimento no cenário político e social da época. O edifício, construído com o dinheiro de subscrições públicas, planejado aos moldes de hospitais franceses, em estilo neoclássico, provido de espaços suntuosos e decoração de luxo, fica popularmente conhecido como o “Palácio dos Loucos”. A amplidão dos espaços, a disciplina, o rigor moral, os passeios supervisionados, a separação por classes sociais e diagnósticos, e a constante vigilância do alienado, materializada arquitetonicamente como um panóptico (torre em forma de anel com um vigia), representam o nascedouro da psiquiatria no Brasil.

Superlotação e Caos





Em 1890, por meio do Decreto nº 142-A, o Hospício de Pedro II foi desanexado da Santa Casa da Misericórdia e passou a ser denominado Hospício Nacional de Alienados, recebendo cada vez mais pacientes, oriundos de todo o território nacional: loucos alguns, excluídos todos. A superlotação se intensificou e, segundo alguns registros entre janeiro de 1890 e novembro de 1894, teriam sido internados no Hospício Nacional 3.201 pacientes. Nesse período, uma diversidade de críticas questionava o cotidiano e o modelo assistencial do hospício, o que originou uma série de publicações em revistas médicas por meio de crônicas, caricaturas, histórias em quadrinhos, sonetos e poesias satíricas. A superlotação fez com que o atendimento se degradasse e as imponentes instalações ficassem precárias e descuidadas, iniciando uma história de decadência. Os cinco anos que antecedem a passagem para o século XX são marcados pelo caos administrativo, o que resulta em grandes críticas de intelectuais da época.



Pavilhão de Bourneville (sala de recreio)

Hospício de Pedro II

Acervo Municipal Philippe Pinel




Laboratório

Hospício de Pedro II


Sala de música degradada

Hospício Nacional de Alienados

Acervo Instituto do Patrimônio e Histórico e Artístico Nacional

Hidroterapia

Hospício Nacional de Alienados

Acervo Instituto do Patrimônio e Histórico e Artístico Nacional

“Não me incomodo muito com o Hospício, mas o que me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida. De mim para mim, tenho certeza que não sou louco; mas devido ao álcool, misturado com toda espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material, há seis anos, me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura, deliro”.
Lima Barreto "Diário do Hospício"


A loucura, objeto de meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente”.
Machado de Assis "O Alienista"


“As imagens do inconsciente são apenas uma linguagem simbólica que o psiquiatra tem por dever decifrar.Mas ninguém impede que essas imagens e sinais sejam, além do mais, harmoniosas, sedutoras, dramáticas, vivas ou belas, constituindo em si verdadeiras obras de arte”.
Mário Pedrosa

"E não podemos admitir que se impeça o livre desenvolvimento de um delírio, tão legítimo e lógico como qualquer outra série de idéias e atos humanos”.
Antonin Artaud "Carta aos diretores de asilos de loucos"


"Os doentes mentais são como beija-flores. Nunca pousam. Estão sempre a dois metros do chão."
Bispo do Rosário

“O hospício é construído para controlar e reprimir os trabalhadores que perderam a capacidade de responder aos interesses capitalistas de produção.” Franco Basaglia

http://www.ccs.saude.gov.br/memoria%20da%20loucura/Mostra/panoptico.html