quarta-feira, 11 de junho de 2008

Marie-Anne Charlotte ...

Marie-Anne Charlotte --- d'Armont nasceu em Saint-Saturnin-des-Ligneries, Normandia, França, em 27 de julho de 1768. Era a terceira dos cinco filhos do agricultor Jacques-Francois de --- de Armont, ex-tenente do exército do rei, e sua mãe era Charlotte-Marie-Jacqueline de Gautier des Authieux de Mesnival. Ela é descendente de Pierre Corneille, seu tio materno. Sua família, nobre, mas decadente, vivia amontoada em uma pequena casa.




Quando ela tinha treze anos, sua mãe veio a falecer, assim como sua irmã mais velha. Seu pai, incapaz de lidar com essa profunda tristeza, mandou Corday e sua irmãzinha para Caen Abbaye-aux-Dames, onde era comum aceitarem filhos pobres de ex-nobres. Ela já sabia ler e escrever e foi nesse convento católico-romano em Caen, que ela teve seu primeiro encontro com escritores como Plutarco, Rousseau e Voltaire. Recebeu uma boa educação, nobres princípios e sólidos fundamentos religiosos. Desde muito cedo ela lia muito; sua preferência sempre era pelo pensadores mais antigos, de acordo com a moda do momento. Mais tarde, se interessa por política e questões sociais, e seu pai vai emprestar-lhe alguns volumes de Rousseau e Montesquieu. Começa a desenvolver novos pensamentos de igualdade e justiça. Sem a Revolução ela provavelmente permaneceria no convento, mas a nova lei sobre a constituição civil do clero decretou novas ordens religiosas para os conventos.


Uma prima a recolheu em sua casa: Madame Le Coustellier de Bretteville-Gouville, em 1791, quando os girondinos lutavam contra os montagnards na Convenção, e quando também o jacobino Jean-Paul Marat triunfava em Paris. Se tornaram muito próximas.


Madame Bretteville entra certo dia no quarto da prima para acordá-la e vê sobre a cama uma velha Bíblia, aberta no Livro de Judite, em que se podia ler, sublinhado a lápis, este versículo:






‘Judite sai da cidade, enfeitada por maravilhosa beleza de que lhe fizera dom o Senhor, para libertar Israel’.





Charlotte se tornou a única herdeira da fortuna da prima. Ela se considerava uma devota dos ideais católico-iluministas de sua época, e foi de grande suporte à monarquia quando do início da Revolução Francesa. Os girondinos ilegais e fugitivos se refugiaram em Calvados, Caen. Eles se reuniam e Charlotte assistiu várias vezes essas reuniões onde conheceu Buzot, Halls, Pétion, Valazé, Kervélégan, Mollevaut, Barbaroux, Louvet, Giroust, Bergoeing, Lesage, Duchastel, Henry-Larivière.


Em 9 de julho de 1793, ela deixou Caen e foi para Paris, andar pelo Palais-Royal, um grande palácio com jardins que oferecia o espetáculo de uma deambulação agradável, fóruns de agitação verbal tomado por gente vil, a ralé mais baixa, onde o amor ou os simples namoricos reinavam e a moralidade era perturbada ao máximo. Os cafés estendem as suas asas às arcadas, prolongando o comércio sob as folhagens. Tradicionalmente, ali era tolerado como espaço de anarquia.


Por lá ela comprou uma grande faca de cozinha de seis polegadas de lâmina no, e depois escreveu o seu Adresse aux Français amis des lois et de la paix no qual explicou o ato ela estava prestes a cometer.

Na sexta-feira, 12 de julho, pela manhã, Charlotte dirigira-se à casa de Claude Romain Lauze de Perret, ou simplesmente Duperret, (um dos poucos girondinos ainda restantes na Convenção) para lhe encaminhar uma carta de recomendação que Barbaroux (um dos girondinos refugiados em Caen) lhe dera, a fim de buscar uma solução para o caso de uma amiga que tivera suspenso o pagamento da pensão, pretexto que ensejara aquela sua viagem a Paris. Na verdade, ela queria descobrir onde poderia encontrar o líder Marat. Duperret a informou que ele não aparecia mais na Convenção e lhe falou onde ele estava. Então, ela concluiu que deveria encontrá-lo em casa e escreveu-lhe o seguinte bilhete:




“Cidadão, venho de Caen; vosso amor pelo país me leva a crer que gostaríeis de saber os fatos preocupantes que se passam naquela parte da República. Estarei em vossa casa por volta das sete horas; peço a gentileza de receber-me e conceder-me uma rápida entrevista. Disponho de elementos que vos permitirão prestar enorme serviço ao país”.



Sem encontrar Marat, retornou para o hotel. Havia trazido consigo as Vidas Paralelas de Plutarco, o único livro que guardara para si, tendo presenteado os demais aos amigos pouco antes de sua partida. Passou então aquela tarde a ler as histórias celebradas naquele livro, a ‘Bíblia dos fortes’. Então, tentou novamente ver Marat. Trazia consigo um novo bilhete, com que intentaria reiterar o pedido em teores ainda mais dramáticos de modo a melhor sensibilizar a anuência de Marat:



“Vos escrevi esta manhã, Marat, recebestes minha carta? Posso contar com alguns minutos de uma audiência? Não posso acreditar que você não me receba em sua porta. Eu tenho a dizer-lhe os segredos mais importantes para a salvação da república. Na verdade, eu sou perseguido pela causa da liberdade. Estou infeliz, tal como estou certa do seu patriotismo.”



No sábado, 13 de julho de 1793, véspera do quarto aniversário da Tomada da Bastilha, pouco mais de sete horas da noite, cansou de esperar por uma resposta. A bela jovem de quase vinte e cinco anos, desceu da diligência do lado oposto da rua onde ficava a residência de Marat e bateu à porta do número 30 da rue des Cordeliers (atualmente 22 rue de l’École de Médicine), residência do cidadão Jean-Paul Marat, deputado da Convenção.


Já lá estivera por duas vezes, solicitando ver o mentor revolucionário. Pedido este, todavia, sempre firmemente recusado por Simonne Èvrard, esposa do mesmo: o estado de saúde de Marat não lhe permitia receber qualquer visita. Há tempos já sofria de uma doença de pele, cujos ardores terríveis só se aliviavam por prolongados banhos de imersão, de efeitos também calmantes de nervos e espírito.


O dia começou a escurecer, principalmente nesta área que era ensombrada pelas altas casas e ruas estreitas. O porteiro se recusou a deixar a jovem desconhecida entrar no pátio. Ela insistiu, no entanto, e subiu alguns degraus da escada, avançando pela portaria. Os ruídos despertaram a atenção da companheira de Marat que veio até a porta e reafirmou a proibição da entrada de estranhos no apartamento de Marat.




Novas recusas e outras tantas insistências em discussão a altas vozes à porta da casa, a da jovem reclamando a entrada contra a de Simone Èvrard, a esposa de Marat, a impedindo, resoluta. O vozerio alcançou os ouvidos de Marat, que então se dispôs a recebê-la, lá mesmo, no banho. Ele compreendeu que foi dessa visitante estrangeira que ele havia recebido as duas cartas. Em uma só voz peremptória e forte, ele ordenou que a deixassem entrar.



Desconfiada e relutante, Simonne obedece e leva a moça até a pequena sala onde Marat permaneciamquase todo seu tempo. Estava em uma banheira com algo precariamente improvisado como escrivaninha, prancheta de anotações apoiada contra as bordas, grande lenço ensopado em vinagre sobre a testa latejante; assim prosseguia seu labor de publicista. Deixada a sós com ele, sentada junto à banheira, Charlotte evitar olhar para ele, por medo de perder a certeza que trazia em sua alma. Com o olhar baixo e as mãos juntas espera Marat fazer as perguntas sobre a situação na Normandia. Ela revela os nomes dos girondinos que, acastelados em Caen após as proscrições do 2 de junho, liquidaram o poder político da Gironda, então supostamente conspiravam contra a Revolução. Ela dita os nomes e depois, quando ele termina de escrever estes nomes, exclama certo de sua vingança: "É bom! Em oito dias todos estarão na guilhotina!".


Após essas palavras, como se Charlotte esperasse uma "deixa", pega sob o corpete a faca e disfere o golpe certeiro, sob a clavícula direita, com a profundidade de um dedo indicador, perfurando o pulmão e rompendo a carótida fazendo "O Amigo do Povo" a sangrar profusamente. Charlotte retira no mesmo movimento a faca ensanguentada do corpo da vítima e o vê cair com os braços escorrendo aos seus pés enquanto ele exclama: "À mim, cara amiga! À mim!" e logo expira. Charlotte é detida por Simonne e pelo povo de sua casa.


Protegida contra a multidão foi transportado para a prisão mais próxima, Abbaye, depois transferida para Conciergerie. Foi posta a julgamento quatro dias depois pelo Tribunal Revolucionário. O advogado escolhido pelos acusados, não respondeu ao convite dirigido a ele (existem sinais preocupantes de que Fouquier-Tinville, o acusador público, tenha feito de tudo para garantir que o convite chegasse tarde demais). Arrumaram outro: Chauveau-Lagarde. Procederam com a leitura da acusação, a audição de testemunhas, a leitura da carta que ela escreveu para seu pai em 16 de julho onde se justifica o seu ato:


"Perdoe-me, meu caro pai, ter organizado a minha vida sem a sua permissão. Eu vinguei muitas vítimas inocentes, eu preveni muitas outras catástrofes. O povo, desiludido, ficará feliz porque os livrei de um tirano. Se eu tenho procurado convencer-vos que estava na Inglaterra, é que eu esperava permanecer incógnita,
mas já havia reconhecido essa impossibilidade.



Espero que você não seja incomodado. Em todo o caso, penso que você tem alguns defensores em Caen. Eu levei para defensor Gustave Doulcet, embora tal atentado praticado não permite nenhuma defesa devido às circunstâncias. Adeus, meu querido papai, peço-lhe que me esqueça ou melhor, você deve comemorar o meu destino, a causa é muito bela. Abrace minha irmã que eu amo com todo o meu coração, assim como todos os meus familiares. Lembre-se este verso de Corneille:
'O crime causa a vergonha, e não a guilhotina!'.

É amanhã, às oito horas, que eu vou a julgamento. Dia 16 de julho."



Interpelada quanto ao propósito de sua viagem a Paris, admitiu não ter outra intenção que a de matar Marat, em razão de todos os crimes de que ele era o responsável: ”...fora ele que instigara os massacres do mês de setembro, ele que alimentava o fogo da guerra civil para se fazer nomear ditador ou outro posto, e fora ele ainda que atentara contra a soberania do povo ao fazer deter e aprisionar os Deputados da Convenção em 30 de maio último”.

Mais adiante, agora pressionada a que revelasse os que com ela se acumpliciavam naquele terrível cometimento, respondeu que “não revelara seus projetos a ninguém”, acrescentando seu juízo de que “não estava a matar um homem, mas uma besta feroz que devorava todos os franceses”.

Questionada quanto aos móbiles que a levaram a ver em Marat um “anarquista”, respondeu “... estou ciente de que ele pervertia a França. Matei um homem para assim salvar cem mil”. Nas declarações de Charlotte Corday ressoam assim múltiplos ecos do ideário histórico da Antiguidade Clássica, mais outras tantas lembranças de seu imaginário mítico, por que o herói livra o país do monstro cruento que o devasta, imagens com que ela então projetava em Marat os desígnios ditatoriais de um César montagnard, agora apunhalado por um avatar girondino de um Brutus tiranicida, que viera por fim a seus desmandos. Uma semana antes do assassinato, nos dias 6 e 7 de julho de 1793, as vozes dos girondinos expurgados em Caen, soavam as proclamas desse mesmo ideário herdado das histórias dos heróis antigos, por elas intentando arregimentar um exército federalista que combatesse o monstro sanguinário sediado em Paris, a todos chamando para a guerra de Marat. Num dos cartazes espalhados pelos muros da cidade, dizia-se: “Que caia a cabeça de Marat e a República será salva... Purifiquemos a França deste homem ávido de sangue ... Marat considera a saúde pública somente num rio de sangue; pois bem, agora é o seu que deve correr: que role sua cabeça para que duas mil sejam salvas”.





Após a intervenção do Chauveau-Lagarde, seu advogado, o júri reconheceu que ela tinha cometido o assassinato "com intenções criminosas e premeditado". O tribunal condenou Charlotte Corday a pena de morte e ordenou que seria conduzida até a execução vestida com um manto vermelho, reservado para os assassinos e envenenadores. Charlotte Corday foi guilhotinada em 17 de julho de 1793.





"as lições do passado orientam os atos do presente"