Marie-Anne Charlotte --- d'Armont nasceu em Saint-Saturnin-des-Ligneries, Normandia, França, em 27 de julho de 1768. Era a terceira dos cinco filhos do agricultor Jacques-Francois de --- de Armont, ex-tenente do exército do rei, e sua mãe era Charlotte-Marie-Jacqueline de Gautier des Authieux de Mesnival. Ela é descendente de Pierre Corneille, seu tio materno. Sua família, nobre, mas decadente, vivia amontoada em uma pequena casa.Uma prima a recolheu em sua casa: Madame Le Coustellier de Bretteville-Gouville, em 1791, quando os girondinos lutavam contra os montagnards na Convenção, e quando também o jacobino Jean-Paul Marat triunfava em Paris. Se tornaram muito próximas.
Madame Bretteville entra certo dia no quarto da prima para acordá-la e vê sobre a cama uma velha Bíblia, aberta no Livro de Judite, em que se podia ler, sublinhado a lápis, este versículo: Charlotte se tornou a única herdeira da fortuna da prima. Ela se considerava uma devota dos ideais católico-iluministas de sua época, e foi de grande suporte à monarquia quando do início da Revolução Francesa. Os girondinos ilegais e fugitivos se refugiaram em Calvados, Caen. Eles se reuniam e Charlotte assistiu várias vezes essas reuniões onde conheceu Buzot, Halls, Pétion, Valazé, Kervélégan, Mollevaut, Barbaroux, Louvet, Giroust, Bergoeing, Lesage, Duchastel, Henry-Larivière.
Em 9 de julho de 1793, ela deixou Caen e foi para Paris, andar pelo Palais-Royal, um grande palácio com jardins que oferecia o espetáculo de uma deambulação agradável, fóruns de agitação verbal tomado por gente vil, a ralé mais baixa, onde o amor ou os simples namoricos reinavam e a moralidade era perturbada ao máximo. Os cafés estendem as suas asas às arcadas, prolongando o comércio sob as folhagens. Tradicionalmente, ali era tolerado como espaço de anarquia.

Por lá ela comprou uma grande faca de cozinha de seis polegadas de lâmina no, e depois escreveu o seu Adresse aux Français amis des lois et de la paix no qual explicou o ato ela estava prestes a cometer.
“Cidadão, venho de Caen; vosso amor pelo país me leva a crer que gostaríeis de saber os fatos preocupantes que se passam naquela parte da República. Estarei em vossa casa por volta das sete horas; peço a gentileza de receber-me e conceder-me uma rápida entrevista. Disponho de elementos que vos permitirão prestar enorme serviço ao país”.
“Vos escrevi esta manhã, Marat, recebestes minha carta? Posso contar com alguns minutos de uma audiência? Não posso acreditar que você não me receba em sua porta. Eu tenho a dizer-lhe os segredos mais importantes para a salvação da república. Na verdade, eu sou perseguido pela causa da liberdade. Estou infeliz, tal como estou certa do seu patriotismo.”
O dia começou a escurecer, principalmente nesta área que era ensombrada pelas altas casas e
ruas estreitas. O porteiro se recusou a deixar a jovem desconhecida entrar no pátio. Ela insistiu, no entanto, e subiu alguns degraus da escada, avançando pela portaria. Os ruídos despertaram a atenção da companheira de Marat que veio até a porta e reafirmou a proibição da entrada de estranhos no apartamento de Marat. Novas recusas e outras tantas insistências em discussão a altas vozes à porta da casa, a da jovem reclamando a entrada contra a de Simone Èvrard, a esposa de Marat, a impedindo, resoluta. O vozerio alcançou os ouvidos de Marat, que então se dispôs a recebê-la, lá mesmo, no banho. Ele compreendeu que foi dessa visitante estrangeira que ele havia recebido as duas cartas. Em uma só voz peremptória e forte, ele ordenou que a deixassem entrar.
Protegida contra a multidão foi transportado para a prisão mais próxima, Abbaye, depois transferida para Conciergerie. Foi posta a julgamento quatro dias depois pelo Tribunal Revolucionário. O advogado escolhido pelos acusados, não respondeu ao convite dirigido a ele (existem sinais preocupantes de que Fouquier-Tinville, o acusador público, tenha feito de tudo para garantir que o convite chegasse tarde demais). Arrumaram outro: Chauveau-Lagarde. Procederam com a leitura da acusação, a audição de testemunhas, a leitura da carta que ela escreveu para seu pai em 16 de julho onde se justifica o seu ato:
"Perdoe-me, meu caro pai, ter organizado a minha vida sem a sua permissão. Eu vinguei muitas vítimas inocentes, eu preveni muitas outras catástrofes. O povo, desiludido, ficará feliz porque os livrei de um tirano. Se eu tenho procurado convencer-vos que estava na Inglaterra, é que eu esperava permanecer incógnita,
mas já havia reconhecido essa impossibilidade.
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Espero que você não seja incomodado. Em todo o caso, penso que você tem alguns defensores em Caen. Eu levei para defensor Gustave Doulcet, embora tal atentado praticado não permite nenhuma defesa devido às circunstâncias. Adeus, meu querido papai, peço-lhe que me esqueça ou melhor, você deve comemorar o meu destino, a causa é muito bela. Abrace minha irmã que eu amo com todo o meu coração, assim como todos os meus familiares. Lembre-se este verso de Corneille:
'O crime causa a vergonha, e não a guilhotina!'.É amanhã, às oito horas, que eu vou a julgamento. Dia 16 de julho."
Interpelada quanto ao propósito de sua viagem a Paris, admitiu não ter outra intenção que a de matar Marat, em razão de todos os crimes de que ele era o responsável: ”...fora ele que instigara os massacres do mês de setembro, ele que alimentava o fogo da guerra civil para se fazer nomear ditador ou outro posto, e fora ele ainda que atentara contra a soberania do povo ao fazer deter e aprisionar os Deputados da Convenção em 30 de maio último”.
Antiguidade Clássica, mais outras tantas lembranças de seu imaginário mítico, por que o herói livra o país do monstro cruento que o devasta, imagens com que ela então projetava em Marat os desígnios ditatoriais de um César montagnard, agora apunhalado por um avatar girondino de um Brutus tiranicida, que viera por fim a seus desmandos. Uma semana antes do assassinato, nos dias 6 e 7 de julho de 1793, as vozes dos girondinos expurgados em Caen, soavam as proclamas desse mesmo ideário herdado das histórias dos heróis antigos, por elas intentando arregimentar um exército federalista que combatesse o monstro sanguinário sediado em Paris, a todos chamando para a guerra de Marat. Num dos cartazes espalhados pelos muros da cidade, dizia-se: “Que caia a cabeça de Marat e a República será salva... Purifiquemos a França deste homem ávido de sangue ... Marat considera a saúde pública somente num rio de sangue; pois bem, agora é o seu que deve correr: que role sua cabeça para que duas mil sejam salvas”. 
"as lições do passado orientam os atos do presente"